Por: HADV
Circulada: segunda-feira, 18.09.23
Você certamente já ouviu falar de alguém que, seja em um processo de divórcio, seja em um testamento ou em qualquer outro momento de sua vida, fez a doação de algum imóvel aos filhos com usufruto vitalício, certo? Mas é muito comum que na escritura da doação, constem cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade. E o que seriam estas cláusulas que muitas vezes passam batido pelo doador e por quem recebeu a doação? A seguir vamos resumir o que são estas cláusulas, que chamamos de cláusulas restritivas.
Incomunicabilidade: impede que o cônjuge de quem está recebendo a doação, tenha qualquer participação sobre o bem, independente do regime de casamento ou união estável.
Impenhorabilidade: impede que aquele que recebeu o imóvel, ofereça o bem como garantia ou que, caso esteja em dívida, que seus credores penhorem o imóvel como forma de garantir o pagamento da dívida.
Inalienabilidade: esta cláusula é mais abrangente, pois impede que aquele que recebeu a doação do imóvel, venda, faça permuta, dê em garantia, doe, enfim, que faça qualquer alienação utilizando o imóvel recebido através da doação.
O grande problema surge quando a doação foi feita com cláusula de inalienabilidade e aquele que doou falece, passando o imóvel a ser utilizado por aquele que recebeu a doação, pois a restrição de inalienabilidade do bem perdura enquanto o donatário (aquele que recebeu a doação) estiver vivo.
Embora este impedimento não ultrapasse gerações, ou seja, os herdeiros do donatário poderão alienar o bem quando ele falecer, mas por toda a vida do donatário, o imóvel deverá lhe pertencer e sequer poderá ser utilizado como garantia de qualquer operação financeira, pois entende-se que, ao impedir que o imóvel seja alienado, está implícito que o imóvel também não poderá ser dado em garantia ou novamente doado, já que isto também seria uma forma de alienação.
Ocorre que muitas vezes o imóvel recebido há tantos anos passa a se tornar um fardo para a família, seja pelos seus altos custos de manutenção, ou por vezes a localização passou a não ser nada conveniente à família, mas ainda assim, o imóvel não poderá ser vendido ou objeto de permuta por outro que atenda melhor às condições da família, já que houve na doação a restrição à alienabilidade, o que significaria dizer que o donatário estaria “condenado” a permanecer com o bem, enquanto estiver vivo.
Embora esta seja a determinação legal, de que o imóvel permaneça com o donatário por toda a sua vida, não nos parece razoável. Sabemos que aquele que fez a doação, certamente a fez na melhor das intenções, buscando preservar o patrimônio na família e muitas vezes com a intenção de protegê-lo do próprio donatário, evitando dilapidação do patrimônio.
Imagine uma senhora idosa, com seus 80 anos, morando em uma grande casa em condomínio de luxo, que recebeu quando ainda jovem, através de uma doação feita por seu pai. Porém, esta casa conta com altos custos de manutenção como, jardinagem, limpeza de piscina, sistema de segurança e etc. Talvez seja mais conveniente vender este imóvel e adquirir outro menor, talvez um apartamento em região mais conveniente da cidade, próximo do hospital, supermercados e comércio em geral. Se a doação feita por seu pai, a impedia de alienar o imóvel, esta senhora não poderá vender ou doar o bem enquanto for viva.
Para anular estas restrições, como na maior parte dos casos o doador já faleceu, não é possível se valer da manifestação do próprio doador, justificando seu desejo de anular as restrições que ele mesmo impôs e diante destes casos, como no exemplo trazido, a única saída passa a ser uma medida judicial para anular as cláusulas restritivas. Esta medida judicial deverá demonstrar de forma inequívoca a necessidade, comprovando todas as desvantagens e inconveniências que o bem vem trazendo ao donatário. Aliás, a cláusula de inalienabilidade impede até mesmo que o donatário faça o mesmo, ou seja, que ele também doe este imóvel aos seus herdeiros, seja com usufruto ou não.
Outro ponto importante a ser considerado, é que as orientações dadas pelos tabelionatos também são muito importantes, já que a doação de imóvel cujo valor seja superior a 30 salários mínimos deve, obrigatoriamente, ser feita através de uma escritura pública de doação. Portanto, também cabe aos tabelionatos esclarecer as consequências de tais cláusulas ao doador e o peso que elas terão para aquele que irá receber o bem, já que trazem restrições ao direito de propriedade e à liberdade individual.
Esta é a grande questão debatida pelos juristas e doutrinadores, a restrição a estes direitos essenciais que, com o intuito de proteger os herdeiros, pode o doador acabar criando um fardo, fazendo com que a propriedade perca a sua função social.
Para fazer uma doação nestes moldes através de um testamento, é preciso comprovar a justa causa pela qual se está determinando todas estas restrições, já nas doações feitas fora dos testamentos, não é necessária esta comprovação, o que demonstra um desequilíbrio na legislação.
De qualquer forma, legalmente é possível, mediante comprovação de justos motivos e através de ação judicial, obter autorização para vender o bem. A depender do posicionamento do juiz do caso, ele pode ainda autorizar a venda do bem desde que seja para a aquisição de outro, mais conveniente, mas que passará a ter as mesmas restrições, embora seja um posicionamento minoritário pelo o que temos acompanhado.
Importante ressaltar que, caso o imóvel esteja gravado com cláusula de impenhorabilidade, isto não impede que o imóvel seja executado, por exemplo, em casos de dívidas de IPTU ou condomínio do próprio imóvel, sendo permitida ainda a desapropriação.
Uma sugestão, caso o doador deseje manter a cláusula de inalienabilidade, é especificar que até que o donatário complete determinada idade, se case, conclua uma faculdade ou qualquer outra condição, não poderá alienar o bem, caso contrário, a restrição se manterá o fim da vida de quem recebeu aquele bem através da doação.
Sendo assim, a orientação é que aquele que pretende doar, se informe previamente para planejar e avaliar o melhor formato de doação a ser feito, evitando que situações irreversíveis ou, reversíveis somente após o ingresso na Justiça, ocorram.
Bárbara Mancuzo – Holanda Advogados, Especialista em Processo Civil e Direito Contratual, Sócia da área Cível